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Da indústria ao braço dos brasileiros: entenda o passo a passo da produção da vacina da dengue

É no Centro Bioindustrial do Instituto Butantan, mais precisamente no prédio de Produção da Vacina Dengue – conhecido entre os colaboradores como PVD – que a Butantan-DV ganha forma. Desde abril de 2025, a planta industrial de 2.550 metros quadrados opera em capacidade máxima, 24 horas por dia, sete dias por semana. Tal desempenho permitiu que cerca de 1 milhão de doses do imunizante tetravalente ficassem prontas em apenas seis meses de operação.

Além da produção interna, o Butantan deu um importante salto estratégico ao firmar um acordo produtivo internacional com a chinesa WuXi Vaccines. A empresa, que oferece serviços de produção de medicamentos para outras farmacêuticas, vai possibilitar a fabricação de dezenas de milhões de doses adicionais da vacina da dengue. 

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Desenvolvido ao longo de 15 anos e aprovado recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o produto detém um rigoroso processo de fabricação. “Entre cultivo de células, produção do Insumo Farmacêutico Ativo [IFA], formulação do imunizante, envase, recrave e liofilização, o ciclo produtivo leva cerca de dois meses e envolve mais de 200 profissionais”, afirma o diretor técnico da Produção da Vacina da Dengue, Antonio Cesar Pereira da Silva.

A seguir, conheça o passo a passo de fabricação da Butantan-DV, assim como a estratégia internacional que vai contribuir para um maior escalonamento do produto que, em breve, vai ajudar a proteger a população brasileira contra a dengue.

A vacina da dengue do Butantan é liofilizada e possui validade estendida (Foto: José Felipe Batista)

Bancos de células e vírus: o alicerce da produção

“A lógica dessa vacina é simples: para se replicar, os vírus do imunizante precisam de uma célula. Por isso, a origem de tudo está nos chamados bancos mestre, semente e trabalho”, explica a gerente de Produção da Butantan-DV, Daniella Ventini. Como o produto é composto por quatro “tipos” diferentes de vírus – também conhecidos como cepas ou sorotipos –, para amplificação do material são utilizadas células Vero, uma linhagem proveniente do rim do macaco verde africano.

A célula Vero original, que serve como base para a fabricação do imunizante, veio da American Type Culture Collection (ATCC), uma organização internacional que atua como uma “biblioteca” de recursos biológicos. A partir dessa “célula mãe”, uma primeira amplificação do material foi feita para criar o banco mestre, algo como um “estoque próprio” de células Vero do Butantan. Essas mesmas células passaram por uma outra etapa de amplificação, dando origem ao banco trabalho: um volume de células que será capaz de abastecer a produção de IFA da dengue por aproximadamente dois anos.

Já as cepas (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) dos quatro vírus da doença que compõem o imunizante foram desenvolvidas e doadas ao Butantan pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH). Assim como as células Vero, esse material foi amplificado para gerar o banco semente; e, depois, ampliado novamente para dar origem ao banco trabalho, capaz de alimentar a produção da Butantan-DV por cerca de cinco anos. 

Armazenados em ultrafreezers e monitorados continuamente, esses bancos são o ponto de partida de cada lote do imunizante.

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A fábrica da vacina da dengue funciona 24 horas, sete dias por semana (Foto: José Felipe Batista)

Produção do IFA: o coração da vacina

A etapa central do processo de fabricação do imunizante acontece em quatro salas distintas, onde cada cepa é amplificada individualmente. São elas que darão origem aos monovalentes que compõem o produto. O processo ocorre da seguinte maneira:

1. Amplificação das células

Um criotubo de células Vero é retirado do banco trabalho para dar início à fase de 
amplificação do material, que dura cerca de 20 dias. As células são multiplicadas em meio de cultura – líquido de coloração avermelhada, rico em nutrientes, que oferece condições ideais para o crescimento das partículas –, até que se atinja uma quantidade suficiente para a produção dos lotes de IFA.

Conforme se multiplicam, as células aderem ao fundo de um frasco até formar um fino “tapete”. Quando essa camada cobre 90% da superfície, ela é “descolada” e transferida para novos recipientes. O processo se repete até gerar quantidade suficiente para a produção dos lotes de IFA de um único monovalente.

2. Inoculação

A cultura de células Vero recebe uma quantidade exata de uma das quatro cepas da dengue, provenientes do banco de vírus trabalho. Esse volume varia de acordo com a capacidade de infecção de cada cepa.

3. Incubação

Os frascos infectados com o vírus são colocados em incubadoras a uma temperatura controlada. Os vírus infectam as células Vero, criando cópias de si mesmo e liberando milhares de novas partículas virais no meio de cultura.

4. Colheita

Após um período estabelecido, o líquido sobrenadante, rico em vírus, é coletado para dar continuidade ao processo de produção do monovalente.

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A Butantan-DV contém os quatro sorotipos do vírus da dengue circulantes (Foto: Comunicação Butantan)

Purificação: aumentando a potência

Como o líquido coletado na etapa anterior não contém apenas vírus, mas também restos de células e componentes do meio de cultura, um processo de purificação é realizado para isolar e concentrar o IFA. O procedimento é realizado com as quatro cepas do vírus da dengue que compõem o imunizante, deixando-as prontas para a formulação final.

Formulação: o encontro dos quatro monovalentes
Com os quatro IFAs preparados – um para cada sorotipo do vírus da dengue –, é hora de criar a receita final do imunizante. Nesta etapa, é necessário calcular o volume de cada IFA a ser utilizado, baseado na quantidade de partículas virais presente em cada um. 

Os quatro monovalentes são combinados e diluídos no excipiente da vacina. Longe de ser algo aleatório, o volume final do imunizante formulado é ideal para aproveitar toda a capacidade do equipamento de liofilização.

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Detalhe do posicionamento das tampas de borracha na ampola, para garantir o sucesso da liofilização (Foto: José Felipe Batista)

Envase e liofilização

Aqui, o desafio é envasar o produto, garantindo sua eficiência e durabilidade. Em uma linha automatizada e totalmente estéril, a versão líquida da vacina é depositada em frascos com volume correspondente a uma dose do produto. 

“A fase final exige um alto rigor técnico. Além de assegurar as rígidas condições de esterilidade, a máquina responsável pelo envasamento faz o controle de peso de 100% dos frascos, a fim de garantir o volume exato de envase. Já as tampas de borracha são posicionadas de maneira específica sobre as ampolas para garantir a retirada gradual da água durante o processo de liofilização. Toda essa tecnologia nos permite entregar um produto eficaz, seguro e estável”, explica Alexandre Gonçalves de Rezende, gerente de Produção da Vacina da Dengue.

Após o envase, os frascos são carregados automaticamente para dentro do liofilizador, que passa a funcionar de maneira ininterrupta por cerca de quatro dias. Nesta fase, o conteúdo líquido é congelado rapidamente e depois submetido à sublimação, o que transforma a água congelada em vapor, e faz com que o conteúdo da vacina se transforme em uma pastilha liofilizada. Essa característica permite à Butantan-DV ter uma validade estendida, e poder ser armazenada em temperatura de 2°C a 8°C. 

Ao final do ciclo de liofilização, ainda dentro do ambiente estéril do equipamento, as prateleiras da máquina descem e pressionam as tampas de borracha, fechando hermeticamente todos os frascos de uma só vez. Após esse processo, as tampas são lacradas com um selo de alumínio. Essa é a última etapa da produção da vacina da dengue do Butantan que ocorre na planta do PVD. As demais fases são realizadas em outras instalações do Centro Bioindustrial do Instituto.

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Parte da equipe responsável pela fabricação da vacina da Dengue em frente ao PVD (Foto: José Felipe Batista/Comunicação Butantan)

Inspeção, rotulagem e embalagem

Depois de finalizadas, as doses de imunizante ainda passam por uma série de verificações que ajudam a garantir sua qualidade e segurança. Uma dessas etapas é a inspeção visual de 100% dos frascos por colaboradores altamente treinados do prédio de Formulação, Envase e Acondicionamento do Butantan.

“Eles examinam cada frasco contra fundos claros e escuros em busca de qualquer defeito, como rachaduras no vidro, problemas na aparência da pastilha liofilizada ou a presença de partículas estranhas”, pontua o gerente de Produção da Vacina da Dengue.

Por fim, os frascos aprovados na inspeção são rotulados com as informações do lote, e acondicionados junto com o diluente usado para reconstituir o imunizante antes da aplicação – essa substância nada mais é do que água ultrapurificada, específica para ser utilizada com produtos injetáveis. 

Após essa longa e meticulosa jornada, a vacina da dengue finalizada é estocada no Centro de Armazenamento Refrigerado do Butantan, e estará pronta para cumprir sua nobre missão de proteger a população brasileira da doença.

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Da esquerda para a direita: Antonio Cesar Pereira, diretor técnico da Produção da Vacina da Dengue; Alexandre Gonçalves de Rezende, gerente de Produção da Vacina da Dengue; Daniella Ventini, gerente de Produção da Butantan-DV; e Ricardo das Neves Oliveira, diretor de produção do Centro Bioindustrial (Foto: José Felipe Batista)

Butantan leva tecnologia brasileira para a China

A fim de escalonar ainda mais a capacidade produtiva da vacina da dengue e atender a uma demanda cada vez mais crescente – segundo a Organização das Nações Unidas, a doença ameaça 4 bilhões de pessoas no mundo –, o Instituto estabeleceu uma parceria estratégica com a WuXi Vaccines, empresa global de Pesquisa, Desenvolvimento e Fabricação por Contrato (CDMO), para a fabricação de outras dezenas de milhões de doses do produto. 

Além da relevante expansão operacional, a iniciativa representa um marco institucional ao posicionar o Butantan como o detentor e fornecedor de uma tecnologia única, sendo também o responsável por ensinar e supervisionar um parque industrial internacional para produzir sua vacina.

“Trata-se de uma parceria robusta e estratégica, que aumenta nossa capacidade de entrega, acelera o acesso da população a um produto essencial e reafirma o papel do Instituto como protagonista global na produção de imunizantes”, pontua Daniella Ventini, uma das responsáveis técnicas pelo acordo.

Dentre as diversas empresas avaliadas, a WuXi foi a que demonstrou as melhores condições de replicar a fabricação do imunizante tal qual acontece no Butantan, atendendo aos quesitos de celeridade, qualidade e custo. 

As primeiras conversas com a farmacêutica chinesa se iniciaram em meados de 2024. Com base nessas discussões, foram estruturados dois tipos de contrato: um para reproduzir o IFA de forma idêntica ao PVD, porém em uma planta industrial estruturada pela contratada; e outro que adiciona o desenvolvimento de uma apresentação pentadose – ou seja, quando um frasco do produto concentra cinco doses do imunizante. 

O negócio foi consolidado por definitivo em 31 de dezembro do mesmo ano. Na sequência, uma equipe técnica de produção do Butantan viajou para a China a fim de iniciar os primeiros treinamentos para a estruturação da nova planta internacional, com outras viagens de alinhamento acontecendo ao longo de 2025. Atualmente, o PVD possui uma equipe de profissionais totalmente dedicada à transferência de tecnologia, a fim de consolidar os trâmites e acelerar os processos.

Ainda que tenham sido mantidos todos os equipamentos e etapas industriais, a fábrica chinesa precisou passar pelas mesmas fases de validação que ocorreram na fábrica de São Paulo. “Mais uma vez, o objetivo foi garantir que o imunizante será fabricado de forma consistente, eficaz e robusta, assim como acontece aqui”, reforça Antonio Cesar Pereira.

Com a validação do processo já finalizada e avaliações sendo conduzidas nos lotes de IFA produzidos na planta internacional, a expectativa é que a validação do produto final seja concluída ainda no primeiro semestre de 2026.

Fonte: agenciaSP

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